Segundo estudos do Fórum Econômico Mundial e da ONU Mulheres, a experiência pandêmica teve um efeito revelador e amplificador sobre as vulnerabilidades que historicamente atingem as mulheres, paralisando, ou até levando ao retrocesso, conquistas duramente alcançadas ao longo das últimas décadas. Um recorte desta realidade pode ser observado a partir do mundo virtual. Uma pesquisa da Decode entre janeiro de 2019 e março de 2020 e entre julho de 2020 e fevereiro de 2021, traz um retrato a partir da análise de 286 mil vídeos e 154 mil menções, comentários e reações na forma de curtidas, compartilhamentos e repercussões. O estudo aponta um relato único quantificando a ocorrência, a evolução e as consequências das desqualificações, humilhações, perseguições, assédios e exposições que têm como alvo as mulheres e meninas no ambiente digital. A violência contra a mulher recebe uma série de nomes no ambiente virtual, como assédio, cyberstalking ou perseguição, vazamento de nudes, entre outras formas de abuso. Todas estas formas de violência, habilitadas digitalmente, trazem consequências seríssimas para as pessoas que as vivenciam, causando traumas emocionais, adoecimentos psíquicos, ideação suicida e cerceamento da liberdade individual. A violência do espaço digital reafirma padrões e estereótipos (expectativas sobre como mulheres devem se comportar) danificando a reputação e a autoimagem bem como impedindo a liberdade de expressão, a dignidade e o bem-estar nos espaços virtuais. Neste caso, tem como principais características a exposição da vítima a amplas audiências, a perenidade das informações e a falta de controle sobre a repercussão dos conteúdos compartilhados. Uma das facetas mais cruéis da violência virtual se manifesta na produção, distribuição e consumo de materiais encontrados em plataformas pornográficas, dos quais estimados 20% fazem alusão a diferentes formas de violência contra meninas e mulheres, e 16% trazem conteúdos relacionados às mesmas violências. Entre eles, são muito comuns vídeos que trazem descritivos como “sexo com menina dormindo/bêbada/drogada”, “gravação por baixo da saia no transporte público”, “câmera escondida”, “exposição da ex-namorada/ pornografia de vingança” e até mesmo “estupro”. Precisamos mudar esse cenário, prevenindo e esclarecendo a sociedade como um todo. É necessário mais investimento em educação e em campanhas de conscientização, começando dentro das escolas e também, engajamento social. Precisamos fortalecer o direito das mulheres. De acordo com o levantamento, o assédio é a principal forma de violência contra a mulher no mundo virtual, com mais de 38% de incidência. A segunda forma de violência mais comum foram as ameaças de divulgação de fotos ou vídeos íntimos, com uma incidência de 24%. Entre os casos de assédio, destacam-se o recebimento de mensagens, fotos e vídeos com conotação sexual sem que as mulheres solicitassem ou consentissem com o recebimento desse conteúdo. Casos de perseguição (stalking) e de envio de mensagens de ódio também foram relatados. Plataformas pornográficas dispõem conteúdos relacionados à violência com frequência – a cada dez vídeos publicados, dois revelam alguma menção à violência contra meninas e mulheres. Essas plataformas obtém um volume expressivo de usuários diariamente, representando um dos maiores tráfegos de acessos de toda a internet. Vídeos de mulheres sendo violentadas enquanto estão inconscientes (dormindo, medicadas, alcoolizadas ou sob efeito de drogas) apresentaram um volume expressivo de visualizações: cerca de 25,9 bilhões somente nos últimos dois anos. Apesar das violências terem acontecido em um ambiente virtual, as consequências nas vidas de muitas mulheres foi bastante real. 35% das vítimas desenvolveram medo de sair de casa. 30% apresentaram medo de contato social e ideação suicida e outros 21% excluíram suas redes sociais. Por isso, o meu convite é para que examinemos estes números com um olhar crítico. Pois o espaço virtual, assim como o tempo, não são necessariamente nossos aliados. São uma dimensão poderosa de amplificação das nossas escolhas, podendo ter um efeito construtivo ou destrutivo, a depender do uso que fazemos deles. Os algoritmos, comercialmente indexados, muitas vezes agem com o efeito de rentabilizar a difusão de fake news, pornografia abusiva e violências diversas. Ao mesmo tempo, possibilitam uma combinação perversa de anonimato dos produtores e consumidores de conteúdo misógino e, ao mesmo tempo, exposição e responsabilização de suas vítimas. Cabe lembrar que os algoritmos são meios de automatização de decisões, desenvolvidos por pessoas e corporações - estes, por sua vez movidos, por valores os mais diversos, interesses e intenções. Na Câmara dos Deputados, sou a 1ª procuradora-adjunta da Procuradoria da Mulher, da Secretaria da Mulher, onde realizamos atividades incisivas de combate a todo tipo de violência contra a mulher. Tenho trabalhado incansavelmente na ampliação da rede de proteção feminina. Aos vereadores das Câmaras Municipais do estado de São Paulo, solicitei a criação de novas Procuradorias da Mulher. Atuando localmente, as Procuradorias potencializarão o trabalho de encaminhamento de denúncias que já é realizado em âmbito federal pela Procuradoria da Câmara dos Deputados. Quem sabe, ao refletirmos criticamente sobre esta realidade, inspirados por essa consciência, possamos utilizar a nossa inventividade coletiva e avanço tecnológico a nosso favor, fortalecendo espaços de acolhimento e articulação para uma sociedade mais equilibrada e justa. Maria Rosas / Deputada Federal (SP)
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